PESQUISA - Ensino de História em Portugal banaliza a escravidão

Livros apresentam os colonizadores portugueses como ‘salvadores’ (Foto: Sapateiro no Rio de Janeiro/Debret)

Os portugueses foram bons colonizadores que cumpriram uma missão civilizatória junto a índios e escravos. Pelo menos é o que dizem os livros didáticos de história usados no ensino médio em Portugal.

Tal abordagem amplamente equivocada sobre a colonização portuguesa vem sendo posta em xeque pela pesquisa do principal Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.

Segundo Marta Araújo, em Portugal prevalece até hoje a visão romântica de que os portugueses cumpriram uma missão civilizatória e que foram “bons colonizadores, mais benevolentes do que outros povos europeus”.

Entre setembro de 2008 e fevereiro de 2012, com a ajuda de uma equipe, Marta conduziu uma minuciosa pesquisa nos cinco livros didáticos de História mais usados no país para alunos do chamado 3º Ciclo do Ensino Básico (12 a 14 anos), que compreende do 7º ao 9º ano.

Além de apresentar os colonizadores como “salvadores”, Marta diz que os livros “escondem o racismo no colonialismo português e naturalizam a escravatura”. “A escravatura não ocupa mais de duas ou três páginas nesses livros, sendo tratada de forma vaga e superficial. Também propagam ideias tortuosas. Por exemplo, quando falam sobre as consequências da escravatura, o único país a ganhar maior destaque é o Brasil e mesmo assim para falar sobre a miscigenação. […] Perdura a narrativa de que nosso colonialismo foi um colonialismo amigável, do qual resultaram sociedades multiculturais e multirraciais — e o Brasil seria um exemplo”, diz a pesquisadora.

Marta e sua equipe também analisaram políticas públicas, entrevistaram historiadores e educadores, assistiram a aulas e conduziram workshops com estudantes. Em um deles a equipe ficou perplexa ao ver que os estudantes ficaram surpresos ao tomar conhecimento de revoltas dentro das populações escravizadas. Eles também desconheciam o verdadeiro significado dos quilombos, locais escondidos e fortificados no meio da mata, para onde iam os escravos que conseguiam fugir.

“Em outros países, há uma abertura muito maior para discutir como essas populações lutavam contra a opressão. Mas, no caso português, os alunos nem sequer poderiam imaginar que eles se libertavam sozinhos e continuavam a acreditar que todos eram vítimas passivas da situação. É uma ideia muito resignada”, diz Marta.

Segundo a pesquisadora, nos livros analisados “não há nenhuma alusão à Revolução do Haiti (conflito sangrento que culminou na abolição da escravidão e na independência do país, que passou a ser a primeira república governada por pessoas de ascendência africana)”.

Os quilombos, por sua vez, são apresentados nos livros como “locais onde os negros dançavam em um dia de festa”. “Como resultado, essas versões acabam sendo consensualizadas e não levantam as polêmicas necessárias para problematizarmos o ensino da História da África”, diz Marta.

Em contraponto, outras potências colonizadoras da época, como a Espanha e o Reino Unido, por exemplo, são retratadas de forma oposta. “Quando falamos da descoberta das Américas, os espanhóis são descritos como extremamente violentos sempre em contraste com a suposta benevolência do colonialismo português. Já os impérios francês, britânico e belga são tachados de racistas”, diz a pesquisadora.

Os resultados da pesquisa foram enviados para o Ministério da Educação português, que nunca emitiu uma resposta. “Nossa percepção é que os responsáveis acreditam que tudo está bem assim e que medidas paliativas, como festivais culturais sazonais, podem substituir a problematização de um assunto tão importante”, ressaltou Marta.

Nesse ponto, a pesquisadora elogia a iniciativa do Brasil, que em 2003 tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio. “Precisamos combater o racismo, mas isso não será possível se não mudarmos a forma como ensinamos nossa História”, explica Marta.BBC

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