VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Em defesa da Lei Maria da Penha

‘Estamos em uma época em que os retrocessos galopam’, diz Leila Barsted (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

A cada dois segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. A informação faz parte do projeto Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha. Lançado no dia 7 deste mês, quando a lei completou 11 anos em vigor, o projeto visa fazer uma contagem em tempo real de mulheres vítimas da violência, bem como estimular denúncias de agressão.

A iniciativa é de extrema necessidade. O Brasil tem uma taxa de feminicídio de 4,8 para 100 mil mulheres, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgados no “Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil”. Trata-se da 5ª maior taxa de feminicídio, entre 83 países analisados, atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.

Para entender a importância das políticas de prevenção à violência de gênero, o Opinião e Notícia conversou com Leila Linhares Barsted, advogada, fundadora e diretora da ONG Cepia – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação.

Leila fez parte do conjunto de mulheres da área de direito que atuou na elaboração do texto da Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006. Ela explica que no Brasil a violência contra as mulheres é estrutural, está na sociedade brasileira, que tem uma cultura profundamente machista e racista. Por isso, as leis de combate à violência de gênero devem estar acompanhadas de medidas preventivas e de conscientização, como é o caso da Lei Maria da Penha.

“As leis não podem ser somente para o crime que já aconteceu. É preciso mudar a mentalidade. O respeito às diferenças é algo que deve ser ensinado lá na base do sistema educacional. A gente precisa ensinar as crianças desde a creche. Os meios de comunicação têm um papel muito forte em divulgar os direitos e incentivar as pessoas a lutar por eles e a exigir que a sociedade e o Estado reconheçam não apenas nas leis, mas na prática, esses direitos”, diz Leila.

Questionada sobre o argumento de que os homens são as maiores vítimas nas estatísticas de violência, Leila explica que é preciso compreender mais profundamente o conceito de violência de gênero e as diferentes causas de mortes violentas de homens e mulheres.

Segundo ela, o homem não morre por ser homem, mas sim por ter se colocado em uma situação de risco. Exemplos disso são homens integrantes do tráfico de drogas que morrem em confronto com uma quadrilha rival.

Em contraponto, a mulher costuma ser vítima de violência pelo fato de ser mulher, o que configura violência de gênero e, em caso de morte, feminicídio. “Por exemplo, em casos de morte onde houve estupro, rosto desfigurado, é claro que é feminicídio”. Tal fato se torna ainda mais assustador diante da constatação de que companheiros e ex-companheiros são os principais autores da agressão, como mostra o Dossiê Mulher 2017, lançado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), do Rio de Janeiro.

A diferença entre as causas de violência que acometem homens e mulheres também é debatida em um relatório elaborado em 2010, pela Cepia, em parceria com a Onu Mulheres. Intitulado “O Progresso das Mulheres no Brasil 2003–2010”, ele cita um trabalho publicado pelo Social Watch Report, que destaca que a violência é uma questão de segurança muito diferente para mulheres e homens. “O medo da violência, incluindo o assédio, é um constrangimento permanente sobre a mobilidade de milhões de mulheres e limita seu acesso a recursos e atividades básicos”, diz o texto.

Leila ressalta que este relatório aponta que o Brasil viveu uma época de avanços nas questões femininas entre 2003 e 2010. Segundo ela, isso se deve ao fato de que, naquela época, o país tinha um poder legislativo mais sensibilizado às questões de gênero. “Exemplo disso foi a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), dotada de verba própria, equipe e dimensão de ministério”, diz Leila.

No entanto, ela alerta que nos últimos três anos políticas públicas de prevenção e combate à violência contra mulheres vêm sendo desarticuladas. Um dos motivos é a perda de espaço das questões de gênero no corpo legislativo atual. Tal tendência é perigosa num momento de crise, quando a violência costuma aumentar. “Temos um Congresso bastante conservador e refratário aos direitos das mulheres, aos direitos LGBT. Para nós isso é uma preocupação muito forte. E há o aumento do desemprego e da miséria que levam a situações que são fermentos da violência”.

Diante disso, supervisionar a aplicação da Lei Maria da Penha e impedir alterações em seu texto, tornam-se tarefas essenciais. Segundo Leila, o grupo que ajudou na elaboração da lei se dedica até os dias de hoje a acompanhar como ela está sendo aplicada, especialmente diante das dezenas de projetos para alterar a lei que tramitam no Congresso.

“Hoje existem vários projetos de lei tramitando que buscam alterar o texto da Lei Maria da Penha. Uns até bem intencionados, mas nossa posição é de que a lei precisa ser implementada na sua totalidade. Estamos em uma época em que os retrocessos galopam. E nesse sentido nós não queremos correr o risco de ver essa lei sendo alterada. Então estamos sempre muito atentas a isso”, explica Leila.

Além do Instituto Maria da Penha, o Instituo de Segurança Pública do Rio de Janeiro também lembrou os 11 anos da lei, lançando a 12ª edição do Dossiê Mulher, que compila os principais crimes relacionados à violência contra a mulher no estado.Melissa Rocha

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