CUBA SOCIEDADE

Em limbo legal, mídias alternativas narram uma Cuba rica e plural

Imagem de moradores de Havana. EFE/Alejandro Ernesto

Despojados dos espartilhos ideológicos da imprensa oficial em Cuba, um grupo de jovens jornalistas usa de meios alternativos, nascidos no calor da internet, para narrar ao pé da rua outra Cuba, mais complexa, rica e plural, no limbo legal do mundo digital, ainda não regulamentado na ilha.

"El Toque", "El Estornudo" e "Periodismo de Barrio" são algumas das publicações digitais que surgiram na ilha para desenvolver um jornalismo independente, sem controle tanto da mídia estatal, controlada pelo governo, como daqueles ligados à dissidência que frequentemente escrevem fora de Cuba.

Uma comunidade inteira que se negou a votar nas promessas não cumpridas de seus líderes, o comércio ilegal de brinquedos sexuais, a contaminação que gera a destilaria do rum Havana Club ou as condições insalubres de alguns bairros são algumas das histórias que vieram à tona graças a estes veículos de imprensa.

"Esse grau de liberdade, essa sensação de fazer o que sua responsabilidade e compromisso como jornalista cobram é maravilhoso, e não senti isso na mídia estatal. Agora posso fazer uma cobertura sem as mediações políticas de conveniência", contou à Agência Efe o diretor do "El Toque", José Jasán Nieves, de 30 anos.

A publicação, uma das pioneiras, nasceu em 2014 com o apoio da RNW Media, uma ONG holandesa que promove a criação de veículos plurais em países sem liberdade de imprensa, embora, no final do ano, se torne um projeto integralmente cubano autofinanciado com publicidade e venda de serviços.

Nos seus quatro anos de existência, "El Toque" se esforçou para contar "histórias de cidadãos", como as de empresários do setor privado emergente, um dos estimuladores da mudança em Cuba.

"Não são apenas histórias, também estamos orgulhosos do tom que usamos, mais reflexivo e menos polarizado", disse Jasán.

Com pouco mais de um ano de vida, a revista "El Estornudo", com o jornalismo literário como selo, já possui o prestigiado Prêmio Gabriel García Márquez de jornalismo pelo texto "Historia de un paria", de Jorge Carrasco.

O trabalho conta a vida de Farah María, o travesti mais conhecido de Havana, ao mesmo tempo que mostra um "retrato amplo e versátil da vida na Cuba de hoje", de acordo com o júri.

"O prêmio nos confirma que estamos no caminho certo e nos convida a avançar, a continuar narrando essa Cuba que não se encontra em quase nenhum lugar dentro da escassa imprensa cubana", afirmou o diretor da "El Estornudo", Abraham Jiménez Enoa, de 29 anos.

Segundo Abraham, quando alguém daqui a 30 anos resgatar um exemplar do "Granma" de hoje "estará lendo sobre um país que não existe", uma realidade paralela que mostra o jornal, órgão oficial do Partido Comunista cubano.

Como "El Toque", a equipe de "El Estornudo" não tem uma sede: se reúne periodicamente para discutir temas, escreve nas residências dos jornalistas e publica nos parques com wi-fi que surgiram em Cuba nos últimos dois anos, com a conexão custando US$ 1,5 a hora.

"É muito difícil sobreviver, é cansativo trabalhar nessas condições. Chegar em um parque, escrever sob a sombra de uma árvore caindo formigas; se chove, você tem que sair", afirmou Jiménez, convencido de que o esforço vale a pena.

Sem apoio econômico, os jornalistas da "El Estornudo" só ganham se "vendem" algum dos seus trabalhos para grandes empresas de comunicação, como aconteceu com "BBC World", "Al Jazeera", "Univision" e "The Huffington Post".

Com uma abordagem ambientalista, "Periodismo de Barrio" introduziu na agenda midiática de Cuba, a partir de 2015, temas sobre mudança climática, comunidades vulneráveis ou acesso à água com longas reportagens de investigação.

"O que foi alcançado até hoje é muito, pois um grupo de mídia está mostrando que é possível fazer bom jornalismo com jovens graduados das universidades cubanas sem responder a interesses políticos", afirmou Julio Batista, de 28 anos, do conselho editorial do "Periodismo de Barrio".

Eles são financiados por fundos internacionais como os da Fundação Sueca de Direitos Humanos, uma contribuição que permite aos jornalistas receber uma "remuneração justa" pelo seu trabalho, em comparação com o escasso salário de US$ 20 por mês pagos pela mídia estatal.

José, Abraham e Julio concordam que o futuro de publicações como a deles passa por sua legalização, já que eles agora realizam seu trabalho de forma "distante", como mídia digital não regulamentada na ilha, onde a lei só prevê a imprensa escrita, rádio e televisão.

Jasán sonha com uma nova lei de imprensa "inclusiva" que inscreva estes meios de comunicação na legalidade."Não posso deixar de me sentir completamente ilegal, pois não tenho nada para me defender", alegou.

"O que tem que ser regulamentado não é a propriedade da mídia, mas a responsabilidade do jornalista com os cidadãos como serviço público", ressaltou Julio Batista.EFE

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