CHINA RAPTO E VENDA

O intenso tráfico de mulheres na China

Casamentos com jovens sequestradas muitas vezes não são registrados (Foto: Flickr/Ira Gelb)

Huong só tinha 15 anos quando foi encontrar uma amiga em Lao Cai, uma cidade no norte do Vietnã na fronteira com a China. A amiga chegou ao lugar do encontro com dois rapazes montados em motocicletas. Eles passearam com as garotas pela cidade e as levaram para um bar de karaokê, onde puseram uma mistura de remédios e drogas em suas bebidas.

Quando as garotas ficaram sonolentas, os rapazes as colocaram nas motos, atravessaram a fronteira da China e seguiram em direção a uma casa distante na região rural. Lá, avisaram que elas seriam vendidas. Os traficantes disseram a Huong que, ao atravessar a fronteira, ela tinha manchado sua reputação, mas caso se comportasse bem, eles a ajudariam a encontrar um marido chinês. Porém, se recusasse, ficaria presa na casa.

Huong, um pseudônimo para proteger sua identidade, agora tem 20 anos. Ela mora em uma grande casa em Lao Cai, que compartilha com algumas mulheres entre 15 e 24 anos. Todas são sobreviventes das redes de tráfico de pessoas que contrabandeiam jovens na fronteira entre o Vietnã e a China, às vezes para serem vendidas como prostitutas, mas com mais frequência como noivas. A casa, com enormes ursos de pelúcia e bicicletas rosas-shocking, é administrada pela instituição beneficente Pacific Links Foundation, que ajuda as vítimas a terminar os estudos e a superar o trauma do sequestro.

No mundo inteiro, cerca de 15 milhões de mulheres vivem situações em que foram obrigadas a se casar, em alguns casos depois de serem sequestradas, de acordo com um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho. Na China, o tráfico de mulheres é intenso, em parte porque a preferência por filhos do sexo masculino causou um desequilíbrio entre a proporção dos sexos. De 1979 a 2015, esse desequilíbrio acentuou-se com a política do filho único, o que levou muitas mulheres a fazerem aborto de crianças do sexo feminino. Segundo estimativas da Academia Chinesa de Ciências Sociais, em 2020 entre 30 milhões a 40 milhões de chineses não encontrarão jovens chinesas com quem possam se casar.

Alguns chineses importam noivas de países vizinhos mais pobres, como Laos, Mianmar, Camboja, Vietnã, Mongólia e Coreia do Norte. Essas mulheres, atraídas pela perspectiva de uma vida melhor, aceitam a proposta de se casarem com um chinês. Mas com frequência são sequestradas na fronteira com a China.

Os relatos de sobreviventes do tráfico e de autoridades vietnamitas em Lao Cai revelam detalhes desse comércio sombrio. Todos os anos, entre 100 e 150 mulheres vietnamitas vítimas do tráfico voltam para casa, uma pequena parcela do total que são atraídas por promessas de um futuro melhor ou são raptadas.

Segundo Diep Vuong do Pacific Links, as vítimas são cada vez mais jovens. Na China, as mulheres não podem casar antes dos 20 anos, mas casamentos com jovens sequestradas muitas vezes não são registrados. A proliferação de smartphones baratos está facilitando o contato dos traficantes com as redes sociais, nas quais fazem amizade com jovens vietnamitas. Os traficantes ganham US$ 50 por cada mulher que importam para a China, onde muitas vezes são revendidas por intermediários. De acordo com dados da polícia chinesa, os traficantes ganham entre 60 mil e 100 mil yuans (US$ 9.000 – 15.000) por cada mulher em seu destino final.

Algumas vítimas do tráfico conseguem fugir e voltam logo para casa. Mas a história de Huong é longa. Os traficantes a prenderam na casa durante dois meses até que concordou em se casar. Em seguida, a levaram para uma cidade em Anhui, uma província a noroeste de Xangai, onde conheceu o noivo. O homem a quem foi vendida em casamento tinha 20 e poucos anos e, por ser de uma família rica, pagara 90 mil yuans por ela.

Huong tinha planos de voltar para o Vietnã. Os traficantes a levaram para Anhui junto com outra vietnamita. As duas combinaram fugir juntas. Mas o plano teve de ser adiado logo após a chegada, porque a amiga de Huong ficou grávida. Pouco depois Huong também ficou grávida. Menos de um mês depois de dar à luz, os pais do marido de Huong enviaram-na para viver e trabalhar em uma fábrica têxtil a quase quatro horas de distância, mas não permitiram que levasse o bebê.

Huong conseguiu poupar dinheiro para a viagem. Seus pais, com quem entrou em contato alguns meses depois de chegar a Anhui, ajudaram-na a se apresentar às autoridades. A polícia chinesa manteve-a em custódia durante três meses enquanto investigava sua história. Em seguida, as autoridades policiais prenderam algumas das pessoas envolvidas em seu sequestro e a enviaram de volta para o Vietnã.

Huong está terminando o ensino médio e quer estudar medicina. Ela não se arrepende de ter deixado a filha na China. Seria difícil criar uma criança sem pai no Vietnã. Além disso, os pais do marido eram ricos e gostavam da criança, disse. Um recomeço de vida para uma jovem com apenas 20 anos.The Economist

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A surpreendente cratera de Xico

Por que não enxergamos estrelas verdes ou roxas?

Egípcia posa nua em blog e provoca indignação