MEDITERRÂNEO IMIGRAÇÃO

Argélia, a bomba-relógio da migração irregular no Mediterrâneo

Embarcação procedente da Argélia na costa espanhola. EFE/Vicent Cardona

Sentadas entre papelões puídos no meio da calçada, Selima e sua filha, de apenas quatro anos, não são mais do que outro obstáculo para a avalanche de pessoas que passam por uma das ruas que levam à colonial praça da La Grande Poste, no coração de Argel.

Procedente de algum lugar do norte do Mali, Selima, que só consegue se comunicar através de um irregular francês, não lembra exatamente quando deixou seu país, mas diz que o fez junto ao seu marido e seu irmão, agora desaparecidos.

Ambos saíram um dia da área de barracos onde se abrigavam para trabalhar em uma obra, e desde então a mulher não voltou a vê-los. Ela também não se lembra de quando foi, só que desde esse dia vaga pelo centro da capital argelina vivendo de esmolas.

"À noite, nós mulheres tentamos dormir juntas. Temos muito medo da polícia", declarou Selima à Agência Efe, com o olhar inquieto, desconfiada diante de tantas perguntas.

Este não é um caso isolado. Como o resto das nações do norte da África, a Argélia é um dos núcleos da migração irregular à Europa, tanto para os subsaarianos que tentam atravessar o país como para seus próprios cidadãos, que buscam fugir da pobreza e do desemprego.

Mas quase não existem números oficiais públicos sobre a migração em um regime conhecido pelo seu sigilo, o que faz com que seja complexo obter uma perspectiva sobre a verdadeira dimensão do problema.

Uma estimativa de 2016 da Organização Internacional de Migração (OIM) calculava em mais de 90 mil o número de refugiados e requerentes de asilo enquanto organizações de defesa dos direitos humanos internacionais e locais estimam em dezenas de milhares os que cruzam a cada ano a fronteira sul.

A maioria, no entanto, não costuma chegar à capital ou à costa, e trabalham de maneira ilegal nas cidades do centro e do sul - menos vigiadas -, e quando juntam dinheiro escolhem entre duas rotas.

Ambas partem da cidade de Uargla: uma em direção à histórica cidade de Ghadames, escala necessária para entrar na Líbia, e outra para Maghnia e Oujda, que facilitam o acesso ao Marrocos e a chegada a Melilla.

"A maior parte dos subsaarianos não chega à capital e outras cidades do norte porque a polícia argelina sabe por onde passam", explicou à Efe um ativista de direitos humanos argelino.

"Se os encontram, simplesmente os colocam em caminhões e os deixam na fronteira com o Mali ou o Níger para que sejam apanhados", acrescentou o ativista, que por motivos de segurança prefere não ser identificado.

Segundo a OIM, agência vinculada à ONU, 391 deles foram deixados esta semana na cidade fronteiriça de In Guezzam e empurrados ao deserto de Níger em condições precárias, de onde conseguiram chegar à cidade nigerina de Amssaka.

Em maio deste ano, o ministro do Interior da Argélia, Noureddine Bedoui, admitiu que seu país expulsou cerca de 27 mil migrantes irregulares nos últimos três anos.

Bedaoui, que acusa as ONGs de querer sujar a imagem da Argélia, voltou afirmar durante o final de semana que seu país nunca autorizará a criação dos centros de detenção transitória e que manterá suas políticas, apesar das críticas.

Organizações como a Anistia Internacional (AI) e a Human Rights Watch (HRW) denunciaram nos últimos meses o "tratamento desumano" que o regime argelino dá aos migrantes, a grande maioria subsaarianos.

"Desde janeiro, a Argélia expulsou milhares de homens, mulheres e crianças ao Níger e ao Mali em condições desumanas, e em muitos casos sem considerar seu status legal na Argélia ou o grau de vulnerabilidade individual", disse a HRW em junho.

A organização exigiu então o fim das expulsões arbitrárias e sumárias e o desenvolvimento de um sistema de designação equitativa e legal dos migrantes em situação irregular.

Em um relatório apresentado em fevereiro, a AI ressaltou que mais 6.500 imigrantes procedentes da África Subsaariana foram expulsos da Argélia em 2017.

"O sigilo do regime e a conivência dos governos da Europa fazem parecer que o problema da imigração irregular na Argélia não existe, mas existe. É uma bomba-relógio", advertiu o ativista argelino.

"Não só os subsaarianos, que, além disso, têm que enfrentar o racismo. Também os próprios argelinos, que cada vez tentam com mais afinco escapar", completou.

Dois caminhos se abrem a este respeito: um, do leste para as ilhas italianas; o outro rumo à Espanha, mais curto e mais arriscado.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), em 2017 a chegada de argelinos à Sardenha aumentou 25%, enquanto a Argélia apareceu na segunda posição como país de origem de migrantes que chegam à Espanha, atrás apenas do Marrocos.EFE

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