ELEIÇÕES 2018

Hamilton Mourão, vice-problema?

Constrangimentos causados por Mourão são anteriores a sua indicação como vice (Foto: Exército/Divulgação)

O general reformado do Exército Hamilton Mourão vem causando, desde 5 de agosto de 2018, quando foi anunciado candidato à vice-presidente na chapa do deputado federal Jair Bolsonaro, sucessivos constrangimentos à composição presidencial do PSL.

Num momento em que a campanha busca amenizar a imagem de autoritário, radical, racista e misógino que muitos associam a Bolsonaro, e quando a figura do vice – cargo para o qual a discrição é uma virtude, conforme dizia José Alencar, vice de Lula em dois mandatos – Mourão tem demonstrado uma aguçada falta de senso de oportunidade.

Nos poucos dias em que os holofotes se voltaram para o candidato a vice – uma vez que, hospitalizado em função da facada de que foi vítima no dia 6 de setembro, Bolsonaro se encontra ausente da campanha presidencial – Mourão abordou, sempre de forma desastrada, cada um dos temas sensíveis à campanha do PSL.

De comentários inoportunos sobre as mães que criam os filhos sem a presença paterna a uma tresloucada “teoria social” associando a preguiça aos índios e a malandragem aos africanos, passando pela defesa de um hipotético “autogolpe” militar e da elaboração de uma nova Constituição, sem a presença de deputados eleitos, os calcanhares de aquiles do bolsonarismo foram explicitados nas falas recentes do general reformado, grande parte delas posterior ao atentado em Juiz de Fora.

“Radicalismo boçal”, “indolência” e “malandragem”

A bem da verdade, os constrangimentos causados pelo general à campanha de Bolsonaro são anteriores a sua indicação como vice. Em julho de 2018, quando ainda fazia as vezes de consultor da chapa presidencial, Mourão veio a público para criticar, sem rodeios e eufemismos, o que considera um traço de personalidade de parte dos apoiadores de Jair Messias: o “radicalismo boçal”.

Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o general disse ver “certo radicalismo nas ideias, até meio boçal” entre eleitores do deputado. Para o então consultor da campanha, o presidenciável precisa modular o seu discurso para mostrar aos demais eleitores que “não é um troglodita”.

A tentativa de desfazer a imagem de “troglodita”, contudo, não viria do próprio Mourão. Em 6 de agosto de 2018, um dia após ser oficialmente declarado vice na chapa de Bolsonaro, o militar discursou para uma plateia de empresários em Curitiba. Apresentou, ali, algumas das razões que, em sua avaliação, explicariam o atual momento político, social e econômico do Brasil.

“Temos uma herança cultural, uma herança que tem muita gente que gosta do privilégio. Essa herança do privilégio é uma herança ibérica”, disse, prosseguindo nos seguintes termos: “Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. E a malandragem é oriunda do africano”, concluiu, arrancando aplausos da plateia.

Considerada de mal tom mesmo dentro do PSL, a fala veio poucos dias após o Supremo Tribunal Federal receber uma denúncia de racismo contra Bolsonaro. A peça jurídica dizia respeito ao episódio em que o presidenciável ofendeu quilombolas, “que pesam mais de sete arrobas e não servem nem para procriar”, conforme disse o candidato.Estado de S. Paulo

“Autogolpe” e o pedido no TSE

A franqueza de Mourão não é de hoje, mas sua incontinência verbal deu sinais de piora desde que Bolsonaro se ausentou da campanha para se recuperar, no hospital Albert Einstein, em São Paulo, do atentado sofrido em Minas Gerais.

Em 7 de setembro, Dia da Independência, pouco mais de 24 horas depois do episódio em Juiz de Fora, o general foi sabatinado por jornalistas da Globonews. E admitiu, ao vivo, que caso julgue que o país se encontra em situação de “anarquia”, o presidente da República teria a prerrogativa de aplicar um “autogolpe”, com a chancela das Forças Armadas.

Lembrado pelos entrevistadores que tal possibilidade não consta na Constituição, Mourão reconheceu não havê-la, mas defendeu que a missão do Exército de zelar pela “paz nacional” extrapola seus compromissos constitucionais. E aproveitou, também, para refazer elogios a Brilhante Ustra, reconhecido pelo Poder Judiciário como chefe dos torturadores durante a ditadura militar.

Se o momento para advogar pelo “autogolpe” não era dos melhores, o conteúdo das declarações não pode ter surpreendido a direção do PSL. Mourão se tornou famoso por defender, em 2015, precisamente o que disse à Globonews. Na época, contudo, era Comandante Militar do Sul, uma das mais poderosas divisões do Exército, e sua fala rendeu-lhe a exoneração do cargo.

Ainda na semana seguinte ao atentado à vida de Bolsonaro, enquanto Magno Malta e os filhos do candidato gravavam vídeos do presidenciável acamado, Mourão tornou à tona e criticou o “exagero” na forma como a chapa tentava ganhar atenção em cima do atentado. “Esse troço já deu o que tinha que dar. É preciso acabar com a vitimização”, decretou.

Bolsonaro discordou de seu subordinado e publicou um novo vídeo em que levantava suspeitas quanto ao pleito de outubro. Para o deputado, o PT estaria por trás de um plano para fraudar as eleições. Mourão, aos jornalistas, disse que as falas do chefe devem ser “relevadas” em função de sua frágil condição de saúde.

Foi quando, em 12 de setembro, o PRTB, partido liderado por Levy Fidélix e no qual milita Hamilton Mourão, entrou com um pedido no Tribunal Superior Eleitoral para que o general substituísse Bolsonaro nos debates e entrevistas, requisição feita sem consulta ao deputado, a sua família ou ao PSL. O constrangimento se acirrou, houve quem sentisse no pedido ao TSE o cheiro de um “autogolpe”. Em 16 de setembro Mourão recuou, desistindo de substituir Bolsonaro em debates.

Constituição sem Constituinte e a “fábrica de desajustados”

O recuo não significaria, ainda, a retirada de cena do general. Em 13 de setembro, a frase da semana de Mourão seria sobre a possibilidade de uma nova Constituição. Que poderia ser formulada, no entendimento do militar, sem a presença dos deputados eleitos em outubro.

“Essa é a minha visão, a minha opinião”, disse. “Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo”, avaliou. Dentro da lei, não há, novamente, precedente para o que Mourão pretende: qualquer alteração na Constituição precisa ser aprovada por no mínimo três quartos do Congresso.

O novo ato falho poderia passar despercebido, não fosse a bombástica declaração do general, na mesma semana, que mirava justamente o eleitorado que a campanha bolsonarista tenta seduzir: as mulheres.

Novamente para uma plateia de empresários, dessa vez em São Paulo, Mourão disse que as famílias chefiadas por mulheres, sem a presença de um homem, são “fábricas de desajustados” para o tráfico de drogas. De acordo com o IBGE, aproximadamente 30 milhões de lares são liderados por mães ou avós, e é possível especular que a frase do general não angariou simpatia entre essa fatia do eleitorado.

O PSL de Bolsonaro correu para colocar panos quentes na declaração. Foi dito que tratava-se de uma “constatação sociológica” já defendida inclusive pelo médico Dráuzio Varela – que afirmou, em resposta, que “jamais diria uma barbaridade dessas”. Foi a gota d´água: Bolsonaro, que ainda se alimentava por sonda, determinou que Mourão se recolhesse, evitando palestrar a empresários e dar entrevistas à imprensa. Até quando, veremos.

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