APOIO CRUCIAL

Agronegócio dá as cartas em governo Bolsonaro

Cientes de que são uma das bases de sustentação do governo, os ruralistas querem mais (Foto: Montagem/EBC

No princípio era a desconfiança: em 2017, quando poucos levavam a sério as chances presidenciais de Jair Bolsonaro, o então deputado se reuniu com representantes da bancada ruralista em busca de apoio para sua candidatura. “Genérico” e “inconsistente” foi como o classificaram, em reservado, os congressistas.

O deputado Domingos Sávio (PSDB) foi além, expondo, em entrevista ao jornal Estado de S.Paulo, as divergências do grupo com o aspirante ao Planalto: “Às vezes somos estigmatizados. O setor agropecuário não pode e não tem o egocentrismo de pensar o Brasil só sob o olhar do campo e da produção. Olhamos questões como saúde, educação e segurança”.

Mas o mundo deu voltas, e o candidato preferido dos ruralistas, o discreto Geraldo Alckmin (PSDB), foi soterrado politicamente pelas pesquisas eleitorais. Assim, faltando cinco dias para o primeiro turno das eleições de 2018, a bancada retirou o apoio ao ex-governador de São Paulo e declarou Jair Bolsonaro como o seu nome para a presidência da República.

Vitorioso no segundo turno, muitos analistas davam como certo que Bolsonaro não teria dificuldades para montar maioria no Congresso. Os ruralistas, afinal, congregavam parlamentares do PP, PR, PRB, DEM e Solidariedade – o chamado “centrão” –, que, a despeito dos áudios de Joesley Batista, garantiram uma relação tranquila com o legislativo para o impopular Michel Temer (MDB).

Novamente, o tempo mostrou que os analistas estavam errados, e o presidente preferiu entrar em guerra retórica contra o centrão para alimentar sua base eleitoral. As demandas dos ruralistas, entretanto, têm sido devidamente atendidas, com um ou outro desvio de rota, de janeiro até aqui.

Ruralistas empoderados

Aconteceu o que o deputado Sávio temia: a produção agropecuária foi colocada em primeiro plano, contribuindo para a “estigmatização” do setor como inimigo de indígenas, ambientalistas e profissionais da saúde, o que pode impactar negativamente nas exportações brasileiras.

A vontade de Bolsonaro em agradar era tanta que os próprios ruralistas tiveram de frear o governo em sua tentativa de pôr fim ao Ministério do Meio Ambiente. Isso porque, caso se concretizasse, a medida poderia fazer com que os empresários perdessem mercados na Europa, que leva em conta questões ambientais na hora de importar produtos agrícolas.

Mas, na prática, a manutenção do Ministério do Meio Ambiente não fez diferença. Se por um lado Tereza Cristina (DEM), apelidada “musa do veneno” por ONGs como o Greenpeace por sua defesa ferrenha do uso de agrotóxicos em plantações, tornou-se ministra da Agricultura, atendendo aos ruralistas, para o Ministério do Meio Ambiente foi escolhido Ricardo Salles (Novo), notório rival dos ambientalistas e afinado às pautas dos grandes produtores do agronegócio, que emplacaram, assim, dois ministros.

Neta e bisneta de ex-governadores do Mato Grosso do Sul, Tereza Cristina é empresária atuante no ramo rural, mantendo negócios com o grupo JBS, de Joesley Batista – quando deputada, Cristina votou, inclusive, contra as denúncias criminais que poderiam ter derrubado Michel Temer.

Desde que tomaram posse, ela e Salles trabalham em conjunto em duas frentes principais: na flexibilização do uso de agrotóxicos e na mudança das regras para licenciamento ambiental, facilitando a derrubada de matas e enfraquecendo as atribuições do Ibama na fiscalização.

Muitos sucessos já foram alcançados pela dupla: em março, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) suspendeu por tempo indeterminado a demarcação de novos terrenos no Brasil, paralisando ao menos 250 processos de aquisição de terras para assentamentos rurais.

O orçamento do Incra, que em 2015 chegou a R$ 800 milhões, não passa hoje de R$ 42 milhões, o que contribui para a concentração de terras nas mãos de uns poucos latifundiários e na elevação dos conflitos violentos no campo.

Em entrevista ao portal “De olho nos ruralistas”, Sandra Alves, coordenadora nacional do Movimento Camponês Popular (MCP), reclama do “abandono total” da agricultura familiar e camponesa pelo governo. “O empobrecimento no campo tem sido notório, o não acesso às políticas públicas e aos programas sociais têm impactos fortes”, lamenta.

Surpreende também a eficácia do ministério na liberalização dos agrotóxicos. Em menos de cinco meses, informa a revista “Piauí”, 169 novas substâncias passaram a ser permitidas, uma média três vezes maior do que a de 2009 a 2015. O que não é pouco se levamos em consideração que, em 2016, o Brasil, quinto maior exportador agrícola do mundo, aplicou o dobro de agrotóxicos em lavouras que os Estados Unidos, os maiores exportadores mundiais. Foram 777 mil toneladas de substâncias tidas como venenosas aplicadas nas plantações.

Desavenças com o Planalto e pressão ruralista

Mas nem tudo são flores no casamento – para ficar em uma metáfora que o presidente gosta de usar – entre governo e ruralistas. A tensão chegou ao nível máximo em abril, quando o deputado Alceu Moreira (MDB), líder da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), disse aos governistas que “não dá mais”.

O choque se deu justamente com a área “ideológica” do governo, formada por discípulos do escritor Olavo de Carvalho. O primeiro lance aconteceu em uma aula magna no Itamaraty, ocasião na qual o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que o Brasil se dispõe a vender soja e minério para os chineses, mas que não “venderia a alma”. A declaração pegou mal, pois as China é, atualmente, o maior parceiro comercial do país.

Em seguida, Bolsonaro, que visitaria Israel, cogitou anunciar a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém, promessa feita à bancada evangélica e que contraria interesses palestinos na região. Os ruralistas temiam uma represália dos países árabes, grande compradores de carnes produzidas no Brasil.

Uma reunião de emergência com Ernesto Araújo foi marcada, e Bolsonaro, que depende dos votos dos deputados ruralistas para aprovar, entre outras medidas, a reforma da Previdência, deu para trás. A embaixada em Jerusalém se transformou em um escritório de negócios, e o Planalto confirmou uma viagem à China para desfazer “mal-entendidos”.

Cientes de que são uma das bases de sustentação do governo, os ruralistas querem mais. De acordo com o Estado de S.Paulo, a ministra da Agricultura pressiona o Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, para que a política dos subsídios ao agronegócio permaneça – o que vai contra a cartilha neoliberal do “posto Ipiranga” de Bolsonaro.

Os ruralistas atuam, também, para que o presidente cumpra uma difícil promessa de campanha, feita ainda no primeiro encontro com eles em 2017: o perdão à divida do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funral), espécie de previdência social do campo.

Os cálculos sobre o tamanho da dívida vão de R$ 10 bilhões, nas estimativas mais tímidas, até R$ 30 bi. A Advocacia Geral da União, contudo, alertou o Planalto de que a anistia pode configurar crime de responsabilidade – o que poderia levar a um impeachment de Bolsonaro.

A moeda de troca oferecida pela bancada ruralista é apoiar a reforma da Previdência – contanto que as regras que endurecem a aposentadoria rural sejam retiradas do texto apresentado ao Congresso.

Outro perdão reivindicado por esses deputados está contido no Novo Código Florestal, a ser votado em breve na Câmara. A bancada pretende anistiar fazendeiros que devastaram áreas de preservação, o que pode “legalizar” até 5 milhões de hectares de vegetação desmatada. Em nome da reforma da previdência, o governo pode apoiar o projeto.Leandro Aguiar

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