Proteção social e livre mercado: uma convivência possível


Em tempos tão ácidos e de debate público tão acalorado como o que temos vivido, sempre vem à tona a discussão sobre a eterna disputa entre projetos políticos supostamente opostos.

Sem adentrar o mérito de quais sejam esses projetos e seus defensores, podemos apenas dizer que o mais comum é que incorramos no estabelecimento da velha dicotomia entre um Estado que promova a proteção social de seus cidadãos, o que podemos chamar de Estado de bem-estar social, e a prática do livre mercado.

Antes de mais nada, é necessário lembrar que a prescrição de direitos sociais em uma Constituição como a brasileira, por exemplo, significa mais do que estabelecer que o Estado garanta aos seus cidadãos as condições mínimas necessárias à sua sobrevivência.

O conjunto de diretos sociais visa, em princípio, conceder aos indivíduos, sobretudo aos mais vulneráveis, a possibilidade de competir de forma mais justa pelos bens em disputa na sociedade.

No entanto, em um contexto de desigualdade social como o nosso, é impossível pensar que essa disputa possa se dar apenas por mérito ou mera sorte, que é um fator aleatório, pois aqueles que pertencem às classes mais privilegiadas partem de uma imensa vantagem em relação a quem é originário das classes menos privilegiadas – não apenas no que diz respeito ao capital financeiro, mas também ao capital cultural e simbólico.

Como afirma o sociólogo Jessé Souza, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), muitos dos problemas brasileiros derivam da incapacidade do sistema para integrar um vasto contingente de excluídos, a quem faltam não apenas recursos materiais, mas equipamentos básicos de educação, autoestima e cidadania.

A óbvia inexistência desse “fair play”, ou seja, dessas condições para uma competição minimamente justa – não só no caso do Brasil, mas no da maioria dos países pobres do mundo – é o principal fator de geração de violência e de criminalidade.

Ao contrário do que afirma o senso comum, o que motiva o crime não é a impunidade, mas a desigualdade. Estudos bastante sérios comprovam que sociedades ricas que possuem maior uniformidade na riqueza ou sociedades pobres que têm maior uniformidade na pobreza são pacíficas. A violência ocorre onde há desigualdade social, onde não há justiça nas condições de disputa por bens raros.

Ao passo que aqueles que pertencem à elite econômica e social contam com várias redes de proteção – dentre as quais a mais eficiente e consistente é a familiar –, independendo do Estado para que possam viver com dignidade, por exemplo, se em algum momento da vida forem alcançados por um infortúnio e se tornarem improdutivos, os mais vulneráveis na escala social, em geral, não têm quem os suporte.

Assim, a ideia de garantia de direitos sociais mínimos tem por finalidade permitir a construção pelo Estado de uma rede semelhante de proteção e amparo para suprir a ineficácia dessas outras redes privadas, quando a pobreza ocorre.

Esse conceito de um Estado provedor de um conjunto mínimo de garantias sociais sempre foi tido pela direita e pela esquerda como um projeto antinômico e contraditório ao de liberdade de mercado.

E é exatamente a este ponto que gostaria de voltar, pois o fenômeno é mais complexo do que os discursos panfletários fazem crer.CC

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