POR 'DIVULGAR SEGREDO DE ESTADO'

China condena seu primeiro ‘ciberdissidente’ a 12 anos de prisão

Huang Qi (à direita) e sua mãe. Fatos divulgados despertaram a ira de Pequim (Foto: Twitter/CHRD人权捍卫者)

A China condenou nesta segunda-feira, 29, um ativista a 12 anos de prisão por ter revelado em seu portal na internet tópicos sensíveis ao governo chinês.

O ativista se chama Huang Qi e é fundador do portal “64 Tianwang” – cujo nome é uma referência ao Massacre da Praça da Paz Celestial, ocorrido em 1989. Em seu portal, ele divulgava casos de corrupção de autoridades locais, violações de direitos humanos, abuso de poder e outros assuntos raramente vistos na mídia tradicional chinesa.

A sentença é a mais dura já anunciada contra um dissidente desde que o presidente Xi Jinping chegou ao poder, em 2012, e faz parte da campanha do governo contra vozes dissidentes. Com a condenação, Huang Qi se tornou o primeiro “ciberdissidente” da China.

Embora o acesso ao portal de Huang Qi seja bloqueado na China, pela censura imposta pelo governo, as notícias divulgadas despertaram a ira de Pequim. Em 2009, por exemplo, ele foi condenado a três anos de prisão por promover uma campanha em prol de pais das crianças mortas em um terremoto ocorrido em 2008, na província de Sichuan, que devastou grande parte da região, deixando cerca de 87 mil vítimas, entre mortos e desaparecidos. Na época, moradores locais criticaram a má qualidade das construções e a aplicação negligente e corrupta das regras do setor de infraestrutura.

Em novembro de 2016, Huang Qi foi condecorado por seu trabalho pela organização Repórteres sem Fronteiras. Poucas semanas depois, ele foi preso em sua cidade natal, Chengdu, sob a acusação de “divulgar segredos de Estado” e desde então aguardava julgamento.

Em entrevista ao Guardian, Frances Eve, diretora-adjunta de pesquisa da organização pró-direitos humanos Chinese Human Rights Defenders (CHRD), alertou que a prisão de Huang Qi dificulta ainda mais o monitoramento de casos de abusos do governo chinês, e que a sentença serve de intimidação a outros ativistas.

“Ela envia uma forte mensagem a outros ativistas, que estão sob ameaça. Se eles se calarem e silenciarem os monitores de direitos humanos, ficará mais difícil tomar conhecimento de casos de abuso de direitos que ocorrem dentro do país”, explica Eve.

Ela afirma que a sentença representa efetivamente uma pena de morte, uma vez que as condições de saúde de Huang Qi vêm se deteriorando. “Parece projetada para que ele morra na prisão, totalmente desproporcional em relação às acusações contra ele”, destaca Eve.

A repressão do governo chinês foi estendida à mãe de Huang Qi, Pu Wenqing, de 85 anos, que desde que o filho foi preso vem fazendo campanha para chamar atenção para o caso. Wenqing, que recentemente foi diagnosticada com câncer, foi colocada sob vigilância do governo e impedida de deixar sua residência ou receber visitas. Seu telefone constantemente é bloqueado.

O caso de Huang Qi ilustra a forma arbitrária como a China reprime a liberdade de expressão e a divulgação de fatos incômodos ao governo. Huang Qi se junta a outros ativistas censurados por Pequim.

Em 2018, uma mulher de 29 anos, chamada Dong Yaoqiong, desapareceu após um protesto contra Xi Jinping. No intuito de expor como o governo lida com críticas, ela compartilhou um vídeo nas redes sociais, no qual aparecia em frente a um retrato do presidente chinês.

No vídeo, ela diz à Câmera: “Eu me oponho ao regime ditatorial de Xi Jinping e à opressão imposta pelo Partido Comunista Chinês”. Em seguida, joga tinta preta no rosto de Xi e diz em tom de desafio: “Xi Jinping, estou à espera que me prendam”.

Mais tarde, um post na conta do Twitter de Dong mostrou dois policiais uniformizados e um à paisana em frente a uma casa. Ninguém teve mais contato com Dong e sua conta no Twitter foi apagada.

Antes dela, outro caso envolvendo um ativista ganhou notoriedade mundial: o do dissidente chinês e vencedor do Prêmio Nobel da Paz Liu Xiaobo. Ele lecionava em Nova York, quando os protestos em prol da democracia estouraram na China em 1989.

Liu voltou ao seu país de origem, onde liderou a greve de fome realizada durantes os protestos da Praça da Paz Celestial. Após passar um ano e meio preso devido à repressão ao movimento, ele foi enviado para um campo de trabalho, onde permaneceu entre 1996 e 1999.

Em 2009, Xiaobo foi condenado a 11 anos de prisão por ter assinado a Carta 08, documento que exigia a reforma política e a democratização da China. Ele foi acusado de tentar “subverter as instituições do Estado”.

Em 2010, Liu Xiaobo recebeu o Prêmio Nobel da Paz e Pequim não gostou nada da situação. O governo bloqueou as notícias sobre o prêmio na internet e a mídia estatal não divulgou a informação. Como estava preso, ele foi representado por uma cadeira vazia na cerimônia.

Xiaobo permaneceu preso até 26 de junho de 2017, quando foi libertado para ser tratado num hospital na cidade de Shenyang, por conta de um câncer terminal no fígado. Ele morreu poucos dias depois, em 13 de julho, aos 61 anos.

Assim como no caso de Huang Qi, a repressão do governo chinês também se estendeu aos familiares de Xiaobo. A esposa, a poetisa Liu Xia passou a ser monitorada pelo governo, impedida de sair de casa ou receber visitas e de ter contato com amigos ou jornalistas. Após ficar em prisão domiciliar, sem qualquer acusação contra ela, Liu Xia conseguiu deixar a China, em 2018, e seguiu para a Alemanha. A libertação foi negociada pela chanceler alemã Angela Merkel, em uma visita à China em maio daquele ano.

Em junho deste ano, o cartunista chinês pró-democracia que atende pelo pseudônimo Badiucao desafiou o governo ao deixar o anonimato pela primeira vez. Em uma entrevista recente, à revista Foreing Policy, publicação que é referência em assuntos de política internacional, ele disse ter iniciado seu ativismo após tomar conhecimento do Massacre da Praça da Paz Celestial.

Ele contou que soube do massacre – que é proibido de ser mencionado na China – quando assistia uma versão pirata de um filme. De repente, as cenas alternaram para outro documentário, emendando clandestinamente, sobre o Massacre da Praça da Paz Celestial.

Badiucao afirmou que tomar conhecimento do episódio foi um despertar político em sua vida. Após concluir seu curso de Direito, ele se mudou para a Austrália, onde conseguiu cidadania e trabalhou como professor de escola primária, mantendo, paralelamente, uma carreira clandestina como cartunista ativista.

“Durante o dia, eu trocava fraldas e cantava canções de ninar para as crianças. À noite, eu me tornava um combatente em minha pequena sala, esquadrinhando as notícias do dia em busca de um tópico para minha caneta”, disse Badiucao.

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