CASO KHASHOGGI

Como Riad usa contratos bilionários para neutralizar Trump

Congresso americano e população cobram resposta dura dos EUA (Foto: Flickr/The White House)

A execução do jornalista Jamal Khashoggi se tornou uma questão nevrálgica para a gestão do presidente americano Donald Trump.

Crítico de Mohamed Bin Salman – príncipe herdeiro da Arábia Saudita – Khashoggi deixou seu país quando este foi lançado ao posto de príncipe herdeiro e colocou em vigor um plano de encarceramento em massa, sob o argumento de combater a corrupção. O plano, no entanto, tinha como real objetivo perseguir opositores, calar críticos e consolidar o poder de Mohamed Bin Salman.

Khashoggi passou a viver em exílio nos EUA em 2017, e desde então escrevia artigos para o jornal Washington Post. No dia 2 de outubro, ele desapareceu após entrar no consulado saudita em Istambul, na Turquia, para assinar papéis de divórcio, pois pretendia se casar novamente. Sua atual noiva ficou esperando do lado de fora, mas Khashoggi nunca deixou o local.

Desde o princípio, as investigações turcas apontavam para execução e, em suas primeiras declarações sobre o caso, Trump prometeu uma resposta severa à Arábia Saudita, caso fosse confirmado se tratar de assassinato. Tal declaração vinha na esteira da indignação popular que o caso gerou nos EUA.

Porém, o governo saudita negou ter qualquer conhecimento sobre o caso. Após uma conversa por telefone com Mohamed Bin Salman, Trump mudou o tom e decidiu dar um voto de confiança ao governo saudita, criticando a pressão popular e da mídia sobre o caso. “Aqui vamos nós outra vez com o ‘você é culpado até que se prove o contrário’. Não gosto disso”, disse o presidente americano.

Conforme as investigações turcas se aprofundaram, ficou cada vez mais claro ter se tratado de execução. Finalmente, na última sexta-feira, 20, o governo saudita reconheceu, em um comunicado, a morte de Khashoggi, afirmando que ela foi “um erro grave”, fruto de uma briga entre o jornalista e pessoas que estavam dentro do consulado saudita. De acordo com o comunicado, 18 sauditas foram presos por envolvimento no caso e Ahmed Al Asiri, chefe de inteligência saudita, e o conselheiro real Saud Al Qahtani perderam seus cargos.

Ainda na sexta-feira à noite, Trump aparentou ávido por aceitar a explicação saudita, afirmando que a confissão era um “um grande primeiro passo” e que estava impressionado pelas prisões anunciadas. Questionado se considerava o comunicado saudita confiável, Trump respondeu: “Eu acho”.

Posteriormente, a porta-voz da Casa Branca, Sarah Sanders, divulgou um comunicado mais neutro sobre o caso. “Estamos consternados com a confirmação da morte do Sr. Khashoggi. Vamos seguir acompanhando de perto as investigações deste trágico incidente e buscando justiça”, disse o comunicado.

Versão falha e críticas a Trump

No entanto, a versão saudita esbarra em evidências encontradas pela investigação turca, que apontam que Khashoggi foi torturado, morto e desmembrado dentro do consulado. No Congresso americano, cresce um esforço bipartidário – composto por parlamentares democratas e republicanos – que pede por uma resposta de Washington a Riad.

Para o democrata Jeff Merkley, senador pelo estado do Óregon, a versão saudita não se sustenta. “O governo dos EUA precisa exigir a verdade e responsabilizar as partes cabíveis, não acompanhar os esforços sauditas para encobrir esse assassinato”, escreveu Merkley no Twitter.

O mesmo entendimento tem o republicano Lindsey Graham, senador pelo estado da Carolina do Sul. Em 2017, Graham foi um dos parlamentares que votou contra um projeto para proibir apoio militar dos EUA à Arábia Saudita na guerra no Iêmen. Hoje, ele afirma que Mohammed bin Salman “precisa sair”. “Dizer que estou cético quanto à narrativa saudita sobre o Sr. Khashoggi é um eufemismo”, escreveu Graham, na sexta-feira, em sua conta no Twitter. Graham mudou de posição quanto à resolução que ajudou a barrar no ano passado. Esta semana, ele prometeu “sancionar até o inferno” a Arábia Saudita.

Segundo um artigo da revista Foreing Policy, o caso deixa Trump em uma situação incômoda. Isso porque a versão saudita é uma clara tentativa de blindar Mohammed bin Salman – o líder de fato que enfrenta condenação internacional pela morte – e jogar a culpa em assassinos aleatórios, que teriam agido por conta própria, apesar das crescentes evidências de que o príncipe herdeiro sabia da operação.

De acordo com ao artigo, há muito em jogo neste embate geopolítico entre Washington e Riad e o desenrolar do caso pode afetar as relações por meses a até mesmo anos. “Para os sauditas, a arma nesta luta geopolítica serão os contratos multibilionários e, em menor grau, petróleo; para os americanos serão armas e tecnologia”, diz o artigo.

Mohammed bin Salman assinou centenas de contratos orçados em bilhões de dólares com empresas americanas. Vale lembrar que a primeira viagem de Trump como presidente dos EUA foi à Arábia Saudita, onde esteve em maio de 2017. Na ocasião, Trump reafirmou os laços com o país, um aliado de longa data dos EUA, confirmou o apoio de sua gestão aos sauditas contra o Irã e na guerra civil no Iêmen e prometeu vender à Arábia Saudita “belos equipamentos militares” americanos.

Com a medida, Trump reverteu o mal-estar criado na relação entre EUA e Arábia Saudita durante a gestão de Barack Obama, que despertou desconfiança de Riad ao costurar um acordo nuclear com o Irã e desejava mudanças na questão dos direitos humanos na Arábia Saudita.

No entanto, estudiosos da política saudita acreditam que o príncipe herdeiro usará ao máximo os contratos como os EUA como uma vantagem. “Eles claramente estão ameaçando fazer isso”, disse à ‘FP’ Bruce Riedel, ex-agente da CIA que atuou como conselheiro de assuntos sauditas de vários presidentes americanos.

Os contratos entre Riad e Washington

Como parte de seu plano “Visão 2030”, uma iniciativa lançada por Mohammed bin Salman para modernizar a Arábia Saudita, Riad assinou um total de US$ 400 bilhões em contratos com os EUA, sendo US$ 100 bilhões deles contratos referentes à compra de armamentos, fechados com o Departamento de Defesa dos EUA. O príncipe herdeiro ressalta que tais contratos são frutos da afeição pessoal que tem por Trump.

“Quando o presidente Trump se elegeu, nós mudamos nossa estratégia de armamentos pelos próximos dez anos, para colocar mais de 60% com os EUA. Foi por isso que criamos US$ 400 bilhões em oportunidades, armamentos e oportunidades de investimentos, além de outras oportunidades de comércio. Então é uma boa conquista para o presidente Trump, para a Arábia Saudita”, disse Mohammed bin Salman, em entrevista dada à Bloomberg no dia 5 deste mês, três dias após Khashoggi desaparecer no consulado.

Já Trump, que defende os laços com os sauditas e os empregos que ele destaca serem gerados por esta relação, se encontra vulnerável diante da possibilidade do governo saudita reter a verba dos contratos, uma vez que a maioria do dinheiro gerado pelos mesmos ainda não chegou aos EUA.

No último sábado, 20, em entrevista ao jornal Washington Post, Trump admitiu que “obviamente, houve decepção e mentiras” na forma como Riad lidou com o caso Khashoggi, mas disse confiar na liderança do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que considera “uma pessoa forte” com “um controle muito bom”. O presidente, no entanto, afirmou que oficiais de inteligência ainda não mostraram qualquer evidência que sugira o envolvimento direto do príncipe herdeiro no caso.

“Ninguém me disse que é o responsável, ninguém me disse que não é o responsável, não chegamos a esse ponto. Não ouvi isso de forma alguma. Há uma possibilidade de que MBS [Mohammed bin Salman] descobriu mais tarde. Pode ser que algo no prédio tenha dado errado. Ele [Khashoggi] poderia saber que estava voltando à Arábia Saudita”, disse Trump.CNN

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