' PÁTRIA LIVRE '...Autobiografia de um torturado

Em ‘Gracias a la Vida’, Cid Benjamin, veterano da guerrilha e ex-petista, diz que oficiais torturadores admiravam presos políticos


Mais de 30 anos depois, Cid Benjamin volta à solitária do Dops para fotografias
(Fábio Motta/Estadão)

Exatos 43 anos atrás, no Dia de Tiradentes de 1970, perto das 19h30, Paulo Alves, 21 anos, óculos para miopia, 1,71m de altura, entrou com uma pastinha de plástico preto em uma padaria na esquina das Ruas Vilela Tavares e Dias da Cruz, no Méier, no subúrbio carioca. Recostado ao balcão, depois de pedir um guaraná e, ironicamente, um sonho, preparou-se para esperar alguém que logo deveria chegar ao ponto de ônibus a alguns metros dali, para tratar de assunto urgente. Perto dele, um homem passado dos 30 o observava. Em frente, alguns rapazes - barbudos, cabeludos, de bermudas - conversavam, animados, em uma sorveteria, parecendo aproveitar o fim do dia sem trabalho para relaxar. Subitamente, porém, todas essas fantasias se desfizeram: o grupo atravessou a via às pressas, Alves tentou pegar algo na pasta, o homem que o olhava lhe deu uma gravata por trás gritando: "Tá em cana!". E as coisas começaram a acontecer muito rapidamente para todos.

Primeiro, o preso, impossibilitado de tirar da pastinha a pistola Colt 45 que carregava, com um golpe de judô - era campeão brasileiro juvenil do esporte - jogou sobre o ombro o homem que o agarrara, o major Moacir Fontenelle, que desabou sobre o balcão. Os tais jovens - todos agentes à paisana do DOI-Codi do I Exército - atacaram o preso com coronhadas de fuzil, socos e pontapés. E Alves - nascido Cid de Queiroz Benjamin, um dos guerrilheiros mais procurados do País, chefe da Frente de Trabalho Armado (FTA) do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) - lutou, segundo seus captores (cujas ordens eram pegá-lo vivo), por 20 minutos. No fim, coberto de sangue, foi jogado em um carro, algemado e levado em meio a gritos de vitória dos repressores. Para trás ficou a padaria destruída e um agente com dentes quebrados, socorrido no Hospital Central do Exército (HCE).

A cena abre Gracias a la Vida, autobiografia em que Cid, hoje jornalista, professor e escritor, acaba de dar o ponto final. Nela, o ex-guerrilheiro, um dos fundadores do PT e atualmente crítico duro do partido e seus governos, se dedica a "mexer em casas de marimbondos" enquanto recorda sua vida e reflete sobre a política, atacando crenças da esquerda - algumas opostas a outras. "Vou levar porrada de todo lado", diz, entre divertido e conformado, ao lembrar sua trajetória sob a ditadura militar (1964-1985), quando participou do sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick. "Vou levar porrada do Tortura Nunca Mais; vou levar porrada dos marighellistas; vou levar porrada das viúvas da luta armada; vou levar porrada dos prestistas; vou levar porrada do PT; e vou levar porrada do PSOL." Estadão

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