Abandono de menor versus planejamento familiar


Pobreza e falta de planejamento familiar estão entre as principais causas do abandono de crianças

O Brasil precisa abrir os olhos para o que finge ser invisível.

Por Claudio Carneiro

As câmeras de um circuito de segurança flagram uma mulher abandonando um bebê em alguma lixeira da cidade de Praia Grande, no litoral de São Paulo. Pune-se o ato: algemas, prisão, condenação. O crime de abandono de incapaz está previsto no artigo 133 do código penal brasileiro. Dependendo das consequências, a pena pode ser de seis meses a 12 anos de prisão.

O que as câmeras não mostram, no entanto, deflagra uma discussão que muitos setores do país – partidos políticos, igreja, imprensa e autoridades – tentam evitar a qualquer custo. Pobreza, miséria, gravidez na adolescência e falta de planejamento familiar estão entre as principais causas do abandono das crianças e adolescentes no Brasil. São assuntos tão desconfortáveis quanto um elefante na sala. Um paquiderme gigantesco que fingimos não enxergar.

O discurso contra o planejamento familiar no Brasil aparece – proposital e erroneamente – agregado à ideia de aperfeiçoamento e melhoria étnica. Integrante do Núcleo de Saúde e Sexualidade de Brasília e coordenadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília, a médica Ana Maria Costa lembra que tramitam no Congresso projetos de lei que buscam ampliar e avançar nas políticas. “Embora avançadas em seus princípios, conteúdos e diretrizes, as políticas públicas propostas pelo Executivo patinam no processo de sua implementação”, afirma. Segundo ela, o Estado tem sistematicamente recuado de suas obrigações — definidas pela Constituição — como provedor de assistência à saúde dos brasileiros, universal e equânime.

A pedagoga Rosely Poletto lembra em artigo que “a História conta de forma bondosa e humana o episódio em que Moisés foi abandonado num cesto ao longo do rio Nilo e criado por uma princesa com valores nobres. Daí por diante os recém-nascidos abandonados não têm tido a mesma sorte”. A partir do século XVII, o terrível hábito de abandonar recém-nascidos em ruas desertas, em matagais ou à beira das marés cresceu tanto que as igrejas decidiram criar as ”rodas do abandono” ou ”rodas dos expostos”, prática – iniciada na Itália – que amenizaria o problema social. No Brasil, as primeiras “rodas” das Santas Casas de Misericórdia, em Salvador – em 1726 – e no Rio de Janeiro – em 1738 – salvaram, de fato, crianças da morte, mas provocaram o aumento do número de abandonos e a certeza da impunidade.

O médico Dráuzio Varella teme que o avanço neste tema passe pela classe política, que morre de medo de contrariar a igreja. “Agem como se o planejamento familiar fosse uma forma de eugenia para nos livrar dos indesejáveis, quando se trata de uma aspiração legítima de todo cidadão”, escreve. E mais: “O planejamento familiar no Brasil é inacessível aos que mais necessitam dele. Os casais da classe média e os mais ricos, que podem criar os filhos por conta própria, têm acesso garantido a preservativos de qualidade, pílula, injeções e adesivos anticoncepcionais, DIU, laqueadura, vasectomia e, em caso de falha, ao abortamento”. Corajosamente, ele afirma que no Brasil o aborto só é proibido para a mulher que não tem dinheiro.

Varella publicou artigo sobre o planejamento familiar e destaca que este é um “privilégio exclusivo dos bem-aventurados”. No texto, ele lembra que, durante a ditadura militar no Brasil, por diferentes motivos, governo, igreja e “os comunistas” eram contrários ao planejamento familiar. Os primeiros – no sonho da integração nacional – precisavam ocupar os espaços vazios no centro-oeste e na Amazônia. Os segundos, por serem contra o uso de métodos contraceptivos. Enquanto os terceiros acreditavam, tolamente, que o crescimento populacional exporia os erros do capitalismo, abrindo caminho para um governo de esquerda.

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