MGF- Evolução cultural e a mutilação genital feminina

A MGF provoca complicações obstétricas subsequentes e expõe a mulher a ameaças de infecções futuras (Foto: Flickr)

Os genes que aumentam a capacidade de reprodução dos seres humanos transmitem-se ao longo de gerações. Esse é o processo de evolução por seleção natural. No entanto, de uma maneira mais sutil, em espécies que têm padrões culturais transmissíveis, as mudanças culturais que proporcionam uma reprodução bem-sucedida também podem se disseminar. Esse tipo de evolução cultural é menos estudado do que a variedade genética, mas talvez haja uma mudança em breve nessa tendência.

Um artigo publicado esta semana na revista científica Nature Ecology and Evolution, de Janet Howard e Mhairi Gibson da Universidade de Bristol, no Reino Unido, sugeriu que um conhecimento mais profundo da influência da evolução cultural nas normas sociais ajudaria a eliminar a prática terrível da mutilação genital feminina (MGF).

A MGF consiste na remoção de parte ou de todos os órgãos sexuais externos femininos, em geral removidos na infância ou no início da puberdade. Ao contrário da circuncisão masculina, que pelo menos limita a transmissão do vírus HIV, que causa a Aids, a MGF não traz benefícios à medicina ou à mulher.

Além do trauma psicológico e do risco associado a qualquer tipo de cirurgia, sobretudo quando é realizada sem condições clínicas apropriadas, a MGF provoca complicações obstétricas subsequentes e expõe a mulher a ameaças de infecções futuras. Entretanto, ainda é praticada em algumas regiões da África e entre populações migrantes desses lugares.

Com o objetivo de descobrir o motivo da disseminação dessa prática, Howard e Gibson examinaram os dados coletados em cinco pesquisas nacionais de saúde realizadas em Burquina Faso, Costa do Marfim, Nigéria, Mali e Senegal, na África Ocidental, nos últimos dez anos. Segundo esses dados, mais de 60 mil mulheres de 47 grupos étnicos haviam sido submetidas à mutilação genital. A partir desses dados, as pesquisadoras definiram a predominância das taxas de mutilação em cada um desses grupos e procuraram explicações para a incidência maior e menor da prática da MGF.

Primeiro, chegaram à conclusão que as filhas de mães de um grupo étnico, no qual a prática da MGF era difundida, eram mais sujeitas a serem mutiladas do que as de outros grupos. Mas nesse padrão havia mais do que uma mera correlação. As taxas médias de MGF nos grupos analisados pelas pesquisadoras tendiam a se agrupar perto de 0% ou de 100%, em vez de se distribuírem de maneira uniforme.

Assim, no jargão do campo da estatística a distribuição tinha a forma de U. Isso sugeriu que algo afastava os padrões de comportamento de um ponto de equilíbrio e os pressionava em direção a extremos. Esse padrão de distribuição indicou que as consequências da mutilação na capacidade reprodutiva das mulheres era a causa do desequilíbrio.

Por razões práticas, Howard e Gibson definiram a capacidade reprodutiva de uma mulher com base no número de filhos vivos, ao atingir a idade de 40 anos. Pouco mais de 10 mil mulheres citadas nas cinco pesquisas tinham essa idade e, a partir da análise dos dados delas, as pesquisadoras tiraram suas conclusões. O estudo mostrou que nos grupos étnicos em que a MGF era uma prática comum, as mães que haviam sido submetidas à mutilação tinham mais filhos do que as não mutiladas. Por outro lado, em grupos nos quais a MGF era um costume raro, a situação invertia-se. Em casos extremos, em grupos em que a prática era disseminada ou quase inexistente, a diferença média era de cerca de um terço de uma criança a mais. Essa análise indicou a forte pressão evolutiva nessas sociedades para se adaptarem à norma predominante.

Janet Howard e Mhairi Gibson não souberam explicar o que causava essa diferença, mas sugeriram que a adaptação à norma predominante proporcionava um casamento mais vantajoso para as mulheres, assim como acesso a redes de apoio, sobretudo de membros do sexo feminino. Em outras palavras, a evolução cultural criava uma adaptação ao ambiente semelhante à da evolução biológica, como no caso da plumagem de um pássaro macho que se modifica para atender às expectativas da fêmea, ou para se acasalar com sucesso, mesmo que a mudança não ocasione nenhum outro benefício.

Esse estudo oferece uma visão mais abrangente da prática da mutilação genital feminina para as pessoas que querem eliminá-la, porque, ao contrário das normas genéticas, as culturais podem ser manipuladas. A forma de distribuição sugeriu que nas sociedades onde a MGF é um costume comum, a evolução cultural poderia reduzir as taxas de incidência para menos de 50%. O retorno positivo continuaria a reduzi-la em um processo evolutivo natural.The Economist

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