Onde a revolução sexual saiu dos trilhos


Durante o Macartismo, liberação sexual foi vista como um perigo semelhante ao comunismo

'Adventures in Orgasmatron' analisa auge e declínio da liberação sexual, e a obra de Wilhelm Reich

“Cuide de si mesmo”, dizem os anúncios. “Você merece”. A imagem pode ser a de uma mulher curvada sobre um homem com um sorriso sedutor. Já o produto pode ser qualquer coisa, desde sabão em pó a um carro: o sexo é usado para vender tudo, e os desejos latentes levam os consumidores a comprar, ou pelo menos fazem com que eles se excitem com a ideia de compra.

Um epílogo irônico para a revolução sexual, observa Christopher Turner em Adventures in Orgasmatron (“Aventuras em Orgasmatron”). Atitudes progressistas vieram para libertar a sociedade dos perigos do conformismo. Ainda assim, algumas das ideias mais radicais a respeito de nossos instintos primais foram cultivadas justamente por aqueles que queriam que todos bebessem a mesma marca de cerveja.

Wilhelm Reich, um carismático e talentoso psicanalista que estudou com Sigmund Freud, cunhou o termo “revolução sexual” nos anos 1930. Reich tinha grandes esperanças para o sexo. Ele passou sua vida insistindo que um orgasmo avassalador era a melhor maneira de garantir a saúde pessoal e uma sociedade mais humana. Desejos são naturais, dizia ele; somente quando a sociedade reprime esses instintos é que surgem os problemas.

Como herói desse complexo e cativante obra de história social, Reich é um assunto fascinante. Ele era arrogante e influente, tirânico e abusivo. Brigou com Freud e afastou seus colegas insistindo não apenas que o orgasmo era uma panaceia, mas também que a psicoanálise deveria ser um instrumento de mudanças sociais. Quando os nazistas chegaram ao poder, ele enxergou o fascismo como o produto inevitável de estruturas sociais repressivas, como a família patriarcal. Se os instintos das crianças não fossem reprimidos, argumentava ele, os adultos não ansiariam por ter alguém lhes dizendo o que fazer. Reich queria aplicar as revelações da psicanálise nas reformas das leis sexuais (revertendo, por exemplo, as proibições quanto ao aborto e a prostituição) e renovar as visões sociais a respeito de casamento e filhos. O sexo livre, ele acreditava, era o melhor golpe contra o totalitarismo.

Freud considerava essas idéias ingênuas, mantendo sua visão de que a psicanálise não devia mudar o mundo, mas sim ajudar as pessoas a se ajustar a ele. A repressão não era algo a ser descartado, mas parte da condição humana. “Para Freud, a infelicidade vinha de dentro. Para Reich, ela era imposta de fora”.

No entanto, o tempo enfraqueceu sua percepção da realidade, especialmente depois que ele fugiu para os Estados Unidos em 1939. Como um cientista louco, ele cresceu convencido de que a energia sexual poderia ser quantificada. Sua grande invenção era um aparelho chamado de “acumulador de energia orgônica”, uma caixa do tamanho de uma cabine telefônica, que coletava boa energia atmosférica. Reich afirmava que um período na caixa não apenas melhorava a “potência orgástica”, como também ajudava no tratamento do câncer e de outras doenças. Cientistas se recusaram a confirmar suas teorias, mas uma geração de jovens progressistas enxergou essas caixas como fontes de liberação sexual, algo que Woody Allen parodiou no “Orgasmatron”, de seu filme O Dorminhoco, de 1973. Norman Mailer possuía uma caixa (que depois ele descreveu como “uma porcaria”) e William Burroughs afirmou ter tido um orgasmo espontâneo dentro de uma cabana de madeira que construiu.
Esses boêmios hedonistas frearam o trabalho de Reich, que reclamava que seus conceitos utópicos haviam sido transformados em tentativas de produzir “uma epidemia de sexo livre”. Os Estados Unidos do pós-guerra era um terreno fértil para suas ideias radicias, já que intelectuais de esquerda buscavam uma nova linguagem de oposição para substituir os dogmas marxistas. As teorias de Reich sobre o sexo fizeram a promiscuidade parecer rebelde e auto-afirmativa.

Em 1947, ele foi acusado pela imprensa de ter criado “um novo culto de sexo e anarquia”. Um ano mais tarde, Alfred Kinsey publicou seu explosivo estudo sobre a sexualidade, que mostrou que os velhos puritanos norte-americanos estavam desconectados da realidade. Os julgamentos de McCarthy – que buscaram ligações entre a liberação sexual e o comunismo – aumentaram o clima de histeria. O centro de Controle de Drogas e Alimentos perseguiu o trabalho de Reich, incinerou seus acumuladores orgônicos e seus livros, e o colocou na prisão, onde ele morreu em 1957.
Por que Reich foi considerado tão perigoso? Embora ele talvez fosse um paranóico esquizofrênico, que passou seus últimos anos convencido de que o mundo estava sob ataque de discos voadores, ele ofereceu uma explicação intelectual à revolução sexual. Mas Reich também acabou se arrependendo de ter aberto sua caixa de Pandora, depois de ter previsto que os excessos liberados dos Estados Unidos seriam combatidos pela repressão, assim como na Rússia stalinista.

No entanto, Turner sugere um legado diferente, semelhante ao que assombrou Herbert Marcuse. O sociólogo alemão, desiludido com os sexualmente onívoros anos 1960, passou a acreditar que os desejos sexuais haviam sido cooptados a serviço do capitalismo; publicitários haviam descoberto como explorar instintos libidinosos para inspirar “falsas necessidades”. Mas isso ignora os benefícios. A revolução sexual pode não ter gerado uma utopia completamente livre de neuroses embalada pelos gloriosos sons dos orgasmos. Mas uma sociedade mais aberta e uma maior tolerância sexual (pelo menos no Ocidente) significam que cada vez menos pessoas estão buscando o prazer em gigantes caixas de madeira.

Fonte: The Economist

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