VULCÃO - Eventos na Islândia explicam fome na Europa na Idade Média

Vulcão Katla, na Islândia (Foto: Pixabay)

Uma maldição espalhara-se pelo mundo. O verão de 821 fora chuvoso, frio e com uma colheita fraca. Então, chegou o inverno rigoroso e as nevascas devastaram as cidades e aldeias. A camada de gelo nos rios Danúbio, Reno e Sena era tão espessa que os habitantes locais os atravessavam não só a pé, como também a cavalo e de carroça. Em seguida à neve, as tempestades de granizo, as pestes e a fome atormentaram a população. Os invernos seguintes foram ainda piores. Pascásio Radberto (785-865), o abade de Corbie, uma pequena cidade no norte da atual França, escreveu que Deus estava zangado. No entanto, de acordo com Ulf Büntgen da Universidade de Cambridge, não foi a raiva de Deus que causou essa mudança climática, e sim o vulcão Katla, na Islândia, na época uma ilha desconhecida.

No momento, Katla, um dos maiores vulcões da Islândia, localizado na extremidade sul da ilha, está inativo sob uma camada de 700 metros de gelo há quase 100 anos, desde sua última erupção em 1918. Diversas erupções foram registradas pelos islandeses desde que os primeiros nórdicos chegaram à Islândia em 870. Porém, em 821, não havia registros da atividade do vulcão. Mas Büntgen descobriu uma catástrofe natural em uma floresta, que coincidiu com os eventos descritos por Radberto.

As erupções vulcânicas podem afetar o clima, com a emissão de dióxido de enxofre, que ao reagir com os gases atmosféricos forma aerossóis de sulfato que refletem a radiação solar para o espaço e, em consequência, impedem que a luz do Sol aqueça a Terra. Portanto, é provável que os invernos rigorosos no início da década de 820 tenham sido causados pela erupção do vulcão Katla.

As amostras de gelo coletadas na Groenlândia com um aumento nos níveis de sulfato em camadas depositadas nesse período apoia a hipótese da mudança climática ter sido causada por uma erupção vulcânica, sem, no entanto, indicar a origem do vulcão.

Em 2003, uma inundação mostrou o local de uma antiga floresta, e Büntgen interessou-se em estudar as árvores enterradas no solo. Pesquisas preliminares sugeriram que as árvores haviam resistido ao frio intenso, à neve e às tempestades de granizo durante o século IX. Então, Büntgen reuniu uma equipe de físicos, químicos, biólogos, historiadores e geógrafos para analisar a idade das árvores, com base nos padrões de crescimento dos anéis em seus troncos.

Segundo pesquisas de paleobotânicos, os anéis que haviam crescido em 775 continham uma quantidade 20 vezes maior de carbono-14, um isótopo radioativo do elemento carbono. No ano de 775, a Crônica Anglo-Saxônica, uma coletânea de anais que narram a história dos primeiros reinos anglo-saxões, descreveu a aparição misteriosa de um “crucifixo vermelho” no céu após o pôr do sol. É possível que a descrição dos escribas fosse uma referência ao fenômeno luminoso da aurora boreal, com seus arcos, raios e feixes brilhantes e coloridos, e que o nível elevado de carbono-14 fosse resultado da radiação solar que gera as cores características das auroras.

Seguindo a direção em que as árvores foram derrubadas os pesquisadores descobriram que a floresta fora soterrada pelo derretimento da geleira de Myrdalsjokull, que cobria o vulcão Katla no momento da erupção em 822, ou talvez um pouco antes. Os gases e a poeira vulcânica expelidos causaram um profundo desequilíbrio ambiental, ao bloquearem a radiação solar. A força da natureza e não a crença na ira divina do abade Radberto foi a responsável por esses anos sombrios da era medieval.The Economist

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